quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Modo Ventilatório - Tracheal Gas Insufflation - TGI (parte 1)

TGI ou insuflação traqueal de gás, consiste na aplicação contínua ou na fase expiratória de um fluxo de gás no interior das vias aéreas, simultaneamente à ventilação artificial ou espontânea. Quando esta técnica está associada à ventilação artificial, é considerada por muito autores como um método ventilatório não convencional ou técnica especial de ventilação. Nesta condição, a sua finalidade é remover o excesso de CO2 das vias aéreas quando a ventilação mecânica convencional, nos limites seguros da sua aplicação, não consegue. É utilizada principalmente nos casos onde há contraindicação da hipercapnia ou quando a hipercapnia ultrapassa os limites permissivos ou toleráveis. Também pode ser utilizada durante respiração espontânea, porém não é muito difundida neste caso.

Um dos primeiros estudos descritos que contribuíram para origem desta forma de ventilação, foi o de Robert Hooke em 1667. Ele insuflou ar fresco dentro da traquéia de animais apnêicos e conseguiu mantê-los vivos.

Nos anos de 1900, muitos estudos foram realizados para tentar esclarecer os efeitos fisiológicos desta técnica na condição de apnéia.

Em 1908, Volhard F. verificou que animais apnêicos vivos desenvolviam pressões intratorácicas subatmosférica (aproximadamente - 20 cmH2O).
Tal fato, resulta da remoção do oxigênio alveolar pelo sangue que perfunde o capilar pulmonar por diferença de pressão parcial gasosa. Isto cria uma redução na pressão intralveolar e intratorácica. Quando as vias aéreas estão livres, este gradiente pressórico gera um fluxo gasoso contínuo do oxigênio no sentido das vias aéreas para o alvéolo.

Em 1944, Draper W.D. & Whitehead R.W. mantiveram animais apnêicos vivos com oxigenação adequada por aproximadamente 90 min, através da insuflação traqueal contínua de oxigênio a 6L/min. A PaCO2 atingiu níveis de 300 mmHg e levou os animais a morte. Eles denominaram esta técnica de "Difusão respiratória".
Em 1951 foi aplicada em humanos e em 1956 foi denominada de "Oxigenação apnéica".
Este resultado aconteceu, porque quando um baixo fluxo de oxigênio foi ofertado proximalmente nas vias aéreas superiores, ocorreu um deslocamento do oxigênio no sentido alveolar, por difusão do O2 na membrana alvéolocapilar, já explicado, e não houve praticamente nenhum efeito na remoção do CO2.

Em 1985, Slutsky A.S. e cols. posicionaram a ponta de um cateter de 2mm de diâmetro interno a 1 cm acima da carina principal e liberaram um fluxo de O2 entre 0,2 e 3 L/min. Eles verificaram que a PaCO2 se manteve entre 100 e 200 mmHg e concluíram que houve uma ventilação alveolar de aproximadamente 25 % da normal mesmo na condição apnêica.
Este fenômeno aconteceu porque, com a colocação mais distal da ponta interna do cateter, além do efeito na oxigenação, passou a existir alguma remoção do CO2 do espaço morto anatômico (EMa) e consequentemente uma difusão do CO2 na membrana alvéolocapilar, no sentido do capilar para o alvéolo, por diferença de pressão parcial.

Lehmert B.E. e cols., em 1982, conseguiram obter normocapnia em animais apnêicos através da introdução de dois catéteres, um em cada brõnquio fonte, e uma liberação de alto fluxo de ar (1,5 a 2,5 L/Kg/ min). Eles denominaram esta técnica de "Ventilação com fluxo constante".
Este resultado foi possível com a associação do posicionamento distal dos catéteres, um em cada brônquio fonte, e a aplicação de altos fluxos de gás.

A figura abaixo foi adaptada de Watson et al. Am Rev Respir Dis - 1986.




Nela, os autores dividiram esquematicamente a árvore brônquica em três zonas. A zona 1a, representa as vias aéreas mais calibrosas, nesta região o fluxo de gás se comporta de forma bidirecional, distal e proximal, nesta zona praticamente todo o CO2 é removido. A zona 1b, representa os brônquios de calibres intermediários, nesta região o fluxo gasoso se torna turbilhonar e uma boa parte do CO2 é removida. Na zona II, região distal aos bronquíolos terminais, não há efeito direto do fluxo do cateter e o deslocamento dos gases ocorre pela difusão molecular.

Uma conclusão que se pode tirar é, que a posição do cateter e o fluxo de gás interferem na remoção do gás carbônico das vias aéreas, alvéolo e do sangue.

Até então, estes estudos foram feitos nas condições de apnéia tanto em animais quanto em humanos.

Em 1989, Bergofsky e cols. injetaram um fluxo gasoso entre 5 e 8 L/min, de uma mistura entre oxigênio e ar, através de um cateter traqueal, em pacientes com falência respiratória crônica. A FiO2 (mistura) foi ajustada para atingir uma SpO2 entre 92 e 95%. Eles verificaram que houve uma redução no volume corrente e na necessidade ventilatória minuto destes pacientes e também uma redução na PaCO2. O resultado foi uma redução no EMa de aproximadamente 49%.

Em condições normais aconteceria o contrário, uma redução na ventilação minuto alveolar resultaria no aumento da PaCO2 e não na sua redução. Mas, com o cateter traqueal liberando um fluxo direto na traquéia há uma redução do CO2 do EMa proximal, desta forma, mesmo que haja uma redução no volume corrente ou na ventilação minuto espontânea pode haver também uma PaCO2 mais baixa.

Aguardem a segunda parte desta postagem.

Abraços a todos.

4 comentários:

Geraldo Barbosa disse...

Caro Daniel,
excelente a postagem sobre TGI,com uma retrospectiva que alcança o ano de 1667 e uma linguagem acessivel, até para quem não possui iniciação científica.Isso é uma qualidade rara entre os profissionais da área.Parabéns!
Um abraço,
Geraldo Barbosa

Daniel Arregue disse...

Geraldo, tenho umm grande orgulho em receber um elogio seu.

A forma com que escreves seus posts e os temas abordados são traços de um profissional culto e muito capaz.

Estou certo que não exagero ao dizer que tu és um orgulho para toda a nossa classe profissional.

Parabéns!

Forte abraço.

Eduardo Gomes disse...

Caro Daniel, gostaria de saber se você tem algo sobre o tgi, mas no sentido de com o que fazer o tgi, o2 ou ar comprimido? Sou fisioterapeuta, trabalho em Curitiba, com o prof. Dr Esperidião. Obg.

Daniel Arregue disse...

Eduardo, acho que você encontra esta resposta na postagem que fiz sobre o assunto, caso necessite discutir mais sobre o tema estou à disposição. Abraço.