Há aproximadamente dois meses conheci pela internet uma fisioterapeuta, a Dra. Rachel Silveira, que após relatar a sua experiência em terapia intensiva, quando ainda era acadêmica, me fez pensar sobre algumas questões relativas às qualidades pessoais (conhecimento técnico, habilidades físicas e intelectuais...) necessárias para atuarmos nesta área.
De imediato, as primeiras perguntas que me fiz foram: Quais qualidades essenciais devemos ter para podermos atuar na terapia intensiva? O que necessitamos em termos de competência ou capacidades (física, emocional, intelectual...) para podermos exercer a fisioterapia nesta área?
Logo após estas primeiras perguntas, quase que automaticamente, estes questionamentos se elevaram para uma esfera maior... E se for em outra atividade profissional, independente da área de saúde. Quais seriam estas qualidades ou competências?
Bom... como estou falando de um caso de fisioterapia relacionado à terapia intensiva, não vou fugir a ele. Troquei algumas informações com a Rachel e após conhecê-la melhor fiquei muito surpreso com a sua história e convidei-a para nos dar este depoimento.
Para começar, mostrarei o primeiro e-mail que recebi da Rachel...
Olá Daniel bom dia, tudo bem ?!
Deixe-me apresentar, me chamo Rachel Silveira, sou deficiente auditiva por erro médico (surdez adquirida). Realizo minha comunicação com os meus pares através de leitura labial, bem como acompanho por esse recurso, além da visão.
Então, tenho uma paixão por Terapia Intensiva, pois quando estava no último ano de estágio, o meu coordenador do curso não queria que eu fizesse o estágio em terapia Intensiva por conta da minha audição, mas, eu não permiti que não deixassem eu realizar a minha bateria de estágio. Então, vou te contar mais ou menos como foi que consegui virar essa página, eu não permiti que fosse uma excludente social na universidade.
Foi assim: Tinha uma grande amiga que também é fisioterapeuta e mestre em Terapia Intensiva, ela mora em Pernambuco, eu contei a ela o que estava acontecendo, ela me apresentou a um outro fisioterapeuta e ficamos amigos. Eu não o conhecia, mas ele me ajudou a distância. Escrevemos uma carta para o meu coordenador do curso, fiz uma solicitação de atenção em pauta sobre mim, para obter uma formação completa em fisioterapia.
O estágio em UTI acrescentou muito pra mim. Você não faz idéia Daniel! Aprendi a desenvolver outras habilidades e aprendi a ser mais dinâmica dentro do estágio, pois eu acho que a audição não pressupõe o exercício da profissão.
Então Daniel, gostaria que pudéssemos ser amigos e trocar experiências, gosto muito de UTI adulto e neonatal. Ainda não fiz pós-graduação. No momento estou desempregada rsrsrsrsrs...mas, chego lá.
Eu falo para os meus amigos que tenho orgulho de ter conseguido vencer esta etapa dentro do meu estágio, e tive um bom desempenho em UTI. Vou destacar o que sei.
Bom, vou te mandar o modelo da carta que escrevi na época para o meu coordenador, segue abaixo:
Exmo Sr. Reitor.
Sou aluna de graduação em fisioterapia, estando cursando o 8º semestre (último semestre do curso). Sou deficiente auditiva por erro médico (surdez adquirida). Realizo minha comunicação com os meus pares através de leitura labial, bem como acompanho as aulas por esse recurso, além da visão.
Outrossim, recorro a V. Exª. com a finalidade de resguardar e preservar um direito adquirido ao longo desses sete semestres letivos, que é o de ter as mesmas oportunidades que os meus pares da graduação, independente da minha condição clínica, haja vista que a mesma não é impeditiva da realização dos meus compromissos acadêmicos.
Ademais, o setor de Fisioterapia do Hospital não pressupõe a necessidade de audição para o exercício da profissão, bem como também não o faz, na condição de acadêmica, visto que na qualidade de estudante sou acompanhada por um preceptor de estágio no referido local, por tratar-se de formação específica da graduação em fisioterapia.
Sendo assim, declinar-me-ei de acompanhar uma bateria de estágio já cursada e aprovada por mim, para ficar no aguardo de cursar/estagiar uma bateria de estágio imprescindível à minha formação acadêmica.
O passado desta Instituição a habilita ao grau de excelência do ensino que a mesma apresenta, razão pela qual fiz minha escolha em passar longos anos de minha vida, no auge da minha juventude, dedicada à minha formação acadêmica na mesma. Não posso e não quero declinar a ter uma formação completa na área de fisioterapia, pois preciso ter as mesmas oportunidades que meus pares para superar os obstáculos do mercado de trabalho, extremamente competitivo, nos dias atuais.
Na certeza de contar com seu entendimento pleno sobre essa questão, aguardo manifestação imediata sobre o assunto para não haver prejuízo à minha formação acadêmica nesta reta final do curso de graduação. A surdez, que foi acometida, não é motivo para exclusão social e profissional no ramo de atividade escolhida por mim.
Após este depoimento, resolvi entrevistá-la sobre questões relativas às possíveis dificuldades que um profissional com deficiência auditiva encontraria ao trabalhar numa UTI.
Como sou "ouvinte" e esta é a primeira vez que lido com este assunto, talvez eu não consiga explorá-lo muito bem, mas, tentarei fazê-lo da melhor forma possível, começando pelas perguntas que despertaram maior curiosidade em mim.
1. Raquel, como seria a comunicação entre você e os demais integrantes das equipes da UTI (de enfermagem, medicina, fisioterapia...)? Vocè já comentou que faz leitura labial, mas como eles poderiam te entender?
2. Os alarmes dos monitores e respiradores apresentam sinalizações sonora e visual. O alarme sonoro normalmente é o primeiro a ser percebido, principalmente em uma UTI grande ou com poucos profissionais. O que você faria para compensar a falta de percepção auditiva nos casos de disparos dos alarmes?
3. As etapas do exame físico do paciente são a inspeção, palpação, ausculta e percussão. Para realizá-las necessitamos das percepções sensoriais: visual, tátil e auditiva. Como você compensaria a falta da ausculta no exame físico, sendo uma portadora de deficiência auditiva?
Rachel...
Daniel, em relação as suas perguntas sobre o impedimento de realizar a bateria de estágio de fisioterapia em UTI. Você sabe que é dentro desses desafios que sobressai a fisioterapia. De acordo com a minha experiência de dois meses de estágio que cursei, pude aguçar a deficiência no interesse de capacitar e ou supervisionar de forma melhor pessoas especiais que cursam ou cursaram a fisioterapia. É claro que tem alguns docentes da graduação com esse "medo" de falar em público o caminhar lado a lado com a preocupação em ser aceito pelo grupo (como se diz: pois sabemos que todo mundo tem camuflado em seu âmago um lado cavernoso).
Então Daniel, os motivos que levaram a falta de incentivo por parte dos docentes para o meu ingresso nesta área, são devidos a má gestão de pessoas, pelo menos é o que eu acho. Para mim, eles não puderam ou souberam me "estudar" para saber o que poderiam esperar de mim e como fariam para me motivar. Não sabiam como eu deveria agir dentro da UTI. Penso que aqueles que aprendem muito sobre a gestão de pessoas carregam tamanha responsabilidade de modo a evitar o excesso de descontentamento por parte das pessoas. Sabe, eu acho que os docentes não estavam preparados para partilhar experiências e encarar novos desafios impostos pela minha condição clínica e fisioterapêutica. Por isso que te falo que acho que esse lance de gestão de pessoas, generalização de idéias, estudo de pessoas, motivação e tal, são coisas de elite dominante. Eu penso assim: é como mostrar ao predador que pode explorar a estúpida presa vendida!!! hehehehe
Daniel, te contei que não ouço, certo?! Mas, realizo minha comunicação através de leitura labial, também acompanho esse recurso a visão. Sou surda oralizada (ou seja, tenho oralização perfeita), todos compreendem e entendem a minha comunicação oral.
Na bateria de estágio que cursei, passei pela clinica médica, doenças infecto-parasitárias, CTI adulto, ambulatório..., o que mais gostei foi a parte do CTI adulto. Ao adentrar no 1º dia já imaginava como seria o meu trabalho no CTI, jaleco, roupa branca, sapatos fechados, cabelos presos, carteira de vacina em ordem. Antes de atender o paciente crítico, eu pegava a caneta e o papel para anotar todos os parâmetros do ventilador mecânico, a pressão arterial do paciente, a saturação de oxigênio, a gasometria arterial. O negatoscópio ficava ligado para visualização da radiografia do paciente. No ventilador mecânico (inter 5), observava a sinalização luminosa e buscava saber o significado de cada uma delas. Daniel, na UTI o fisioterapeuta realiza ausculta pulmonar, mas ele não está sozinho, tem a equipe médica, de enfermagem (técnicos), um par da graduação, porque geralmente o estágio é em duplas. Mesmo que o fisioterapeuta não realize a ausculta pulmonar, o médico a realiza e você pode obter esta informação com ele ou observá-la no prontuário do paciente.
Quando eu ficava sozinha com o paciente no box, avaliando paciente em coma, ao tocar (ausculta pulmonar) o pulmão do paciente com as mãos (região palmar) eu conseguia identificar sibilos, roncos, estertores bolhosos e mesmo que eu conseguisse identificar o ruído adventício eu chamava a minha colega de estágio para confirmar através da ausculta no paciente.
Quanto à aspitação traqueal ou orotraqueal, normalmente é um procedimento tranquilo de realizar, depende também da gravidade do paciente. A primeira coisa que devemos saber antes de começar a atender é se o paciente está em isolamento de contato ou respiratório. Então, eu pegava todos materiais e equipamentos necessários para não ficar para lá e para cá, sabe?! Eu pegava as luvas, as sondas, o soro, a seringa, as luvas estéreis... Eu colocava a luva de procedimento, o capote, a máscara, a touca e e para realizar a aspiração traqueal, colocava as luvas estéreis com cuidado para não contaminá-las. Antes da aspiração, eu realizava uma manobra de Higiene Brônquica (aumento do fluxo expiratório), avaliava a entrada de ar nos pulmões e a presença e o deslocamento das secreções através da visão e do tato. O tempo todo acompanhava a monitorização dos parâmetros ventilatórios, SaO2, pressão arterial, FC... certo?
Após as manobras desobstrutivas eu realizava então a aspiração das secreções do paciente, desconectava o circuito do ventilador do tubo do paciente e aspirava, sempre olhando a saturação de oxigênio, a FC, as reações do paciente... Reconectava em seguida o ventilador. Com uma das mãos manuseava a via aérea e o circuito e com a outra, sem contaminar, aspirava. Quando terminava este procedimento, checava sempre os parâmetros do ventilador, os sinais vitais pelo monitor e o próprio paciente para certificar se está tudo normal. Descartava o material utilizado no lixo e só ficava com as luvas de procedimento para dar início à fisioterapia motora. Quando terminava tudo, deixava o leito arrumado e lavava as mãos. Evoluia no prontuário toda a minha avaliação e os procedimentos realizados com o paciente.
Foi com esta intenção que eu recorri ao Reitor, o meu objetivo era preservar um direito meu, que é o de ter as mesmas oportunidades que os colegas da graduação recebem, independente de minha condição, que não é impeditivo algum para a realização dos compromissos profissionais ou acadêmicos. Então, não pressupõe da audição para o exercício da profissão.
Daniel, eu estava sendo uma excludente social na Universidade e não permiti que isso acontecesse, se eu não tivesse reivindicado os meus direitos, eu estaria me prejudicando na busca do mercado profissional. Ou melhor, eu não teria a mínima noção sobre a atuação do fisioterapeuta dentro de uma UTI. Você entende o porque que eu não queria declinar de acompanhar uma bateria de estágio que acrescentou muito para a vida profissional, ...acrescentou muito em conhecimento teórico, conhecimento sobre os problemas que encontramos dentro da UTI, conhecimento sobre as alternativas de tratamento para este tipo de paciente... É essa fisioterapia que queremos!!!
Para finalizar, vou usar um pouco da filosofia agora, eu acho que depois que cursei essa bateria de estágio aprendi a ter uma visão sistêmica das coisas, pude ver o modo com que determinadas ideologias nos leva a percebermos a realidade, que a nossa atual visão sistêmica é positivista (e sabemos, que infelizmente a maioria é pessimista, digo os " Docentes") e que defino a realidade como tudo que está a nossa volta e que as coisas são o que são e ponto. Mesmo através da religião há a defesa da inalterabilidade da realidade (quem nunca ouviu falar em "destino").
Bom, todos os professores da minha graduação, ficaram sabendo do que fiz e não esperavam que eu lutasse pelos meus direitos. E ainda sai em coluna do jornal onde escrevo metendo bedelho em UTI. Depois te mando a coluna. rsrsrsrs Não sou fraca não. kkkkkkkkkkkkkk
Eu...
Rachel, a sua história tem mais é que sair em muitas colunas de jornais e também nas rádios e canais de televisão. Esta experiência serve de exemplo a todos nós, tanto os ditos "normais" quanto os ditos "deficientes" - que deficiente não tem nada!!! A deficiência está na cabeça e você é a prova disso!
Fiquei muito contente e lisonjeado em ter o privilégio de te entrevistar, pena que eu não te conheço pessoalmente, mas, desde já, fique sabendo que admiro muito o seu trabalho.
Através do seu site, divulgue tudo isso e muito mais, eu sei que você é uma guerreira em busca dos direitos humanos na inclusão social!!! Conte comigo para o que precisar.
Aos leitores deste blog, não deixem de visitar o site da Dra. Rachel Silveira: Fisioterapia e inclusão social. Nele, vocês poderão ver vários trabalhos dela relacionados com a inclusão social de deficientes e outros assuntos também. Vale muito a pena, eu recomendo!
Aguardem novas publicações!
Abraços a todos.
De imediato, as primeiras perguntas que me fiz foram: Quais qualidades essenciais devemos ter para podermos atuar na terapia intensiva? O que necessitamos em termos de competência ou capacidades (física, emocional, intelectual...) para podermos exercer a fisioterapia nesta área?
Logo após estas primeiras perguntas, quase que automaticamente, estes questionamentos se elevaram para uma esfera maior... E se for em outra atividade profissional, independente da área de saúde. Quais seriam estas qualidades ou competências?
Bom... como estou falando de um caso de fisioterapia relacionado à terapia intensiva, não vou fugir a ele. Troquei algumas informações com a Rachel e após conhecê-la melhor fiquei muito surpreso com a sua história e convidei-a para nos dar este depoimento.
Para começar, mostrarei o primeiro e-mail que recebi da Rachel...
São Paulo, aos 17 de fevereiro de 2009.
Olá Daniel bom dia, tudo bem ?!
Deixe-me apresentar, me chamo Rachel Silveira, sou deficiente auditiva por erro médico (surdez adquirida). Realizo minha comunicação com os meus pares através de leitura labial, bem como acompanho por esse recurso, além da visão.
Então, tenho uma paixão por Terapia Intensiva, pois quando estava no último ano de estágio, o meu coordenador do curso não queria que eu fizesse o estágio em terapia Intensiva por conta da minha audição, mas, eu não permiti que não deixassem eu realizar a minha bateria de estágio. Então, vou te contar mais ou menos como foi que consegui virar essa página, eu não permiti que fosse uma excludente social na universidade.
Foi assim: Tinha uma grande amiga que também é fisioterapeuta e mestre em Terapia Intensiva, ela mora em Pernambuco, eu contei a ela o que estava acontecendo, ela me apresentou a um outro fisioterapeuta e ficamos amigos. Eu não o conhecia, mas ele me ajudou a distância. Escrevemos uma carta para o meu coordenador do curso, fiz uma solicitação de atenção em pauta sobre mim, para obter uma formação completa em fisioterapia.
O estágio em UTI acrescentou muito pra mim. Você não faz idéia Daniel! Aprendi a desenvolver outras habilidades e aprendi a ser mais dinâmica dentro do estágio, pois eu acho que a audição não pressupõe o exercício da profissão.
Então Daniel, gostaria que pudéssemos ser amigos e trocar experiências, gosto muito de UTI adulto e neonatal. Ainda não fiz pós-graduação. No momento estou desempregada rsrsrsrsrs...mas, chego lá.
Eu falo para os meus amigos que tenho orgulho de ter conseguido vencer esta etapa dentro do meu estágio, e tive um bom desempenho em UTI. Vou destacar o que sei.
Bom, vou te mandar o modelo da carta que escrevi na época para o meu coordenador, segue abaixo:
Campo Grande, aos 15 de maio de 2007.
Exmo Sr. Reitor.
Sou aluna de graduação em fisioterapia, estando cursando o 8º semestre (último semestre do curso). Sou deficiente auditiva por erro médico (surdez adquirida). Realizo minha comunicação com os meus pares através de leitura labial, bem como acompanho as aulas por esse recurso, além da visão.
Outrossim, recorro a V. Exª. com a finalidade de resguardar e preservar um direito adquirido ao longo desses sete semestres letivos, que é o de ter as mesmas oportunidades que os meus pares da graduação, independente da minha condição clínica, haja vista que a mesma não é impeditiva da realização dos meus compromissos acadêmicos.
Ademais, o setor de Fisioterapia do Hospital não pressupõe a necessidade de audição para o exercício da profissão, bem como também não o faz, na condição de acadêmica, visto que na qualidade de estudante sou acompanhada por um preceptor de estágio no referido local, por tratar-se de formação específica da graduação em fisioterapia.
Sendo assim, declinar-me-ei de acompanhar uma bateria de estágio já cursada e aprovada por mim, para ficar no aguardo de cursar/estagiar uma bateria de estágio imprescindível à minha formação acadêmica.
O passado desta Instituição a habilita ao grau de excelência do ensino que a mesma apresenta, razão pela qual fiz minha escolha em passar longos anos de minha vida, no auge da minha juventude, dedicada à minha formação acadêmica na mesma. Não posso e não quero declinar a ter uma formação completa na área de fisioterapia, pois preciso ter as mesmas oportunidades que meus pares para superar os obstáculos do mercado de trabalho, extremamente competitivo, nos dias atuais.
Na certeza de contar com seu entendimento pleno sobre essa questão, aguardo manifestação imediata sobre o assunto para não haver prejuízo à minha formação acadêmica nesta reta final do curso de graduação. A surdez, que foi acometida, não é motivo para exclusão social e profissional no ramo de atividade escolhida por mim.
Rachel da Silveira Campos
Acadêmica do 8º semestre
Curso de Graduação em Fisioterapia
Acadêmica do 8º semestre
Curso de Graduação em Fisioterapia
Após este depoimento, resolvi entrevistá-la sobre questões relativas às possíveis dificuldades que um profissional com deficiência auditiva encontraria ao trabalhar numa UTI.
Como sou "ouvinte" e esta é a primeira vez que lido com este assunto, talvez eu não consiga explorá-lo muito bem, mas, tentarei fazê-lo da melhor forma possível, começando pelas perguntas que despertaram maior curiosidade em mim.
1. Raquel, como seria a comunicação entre você e os demais integrantes das equipes da UTI (de enfermagem, medicina, fisioterapia...)? Vocè já comentou que faz leitura labial, mas como eles poderiam te entender?
2. Os alarmes dos monitores e respiradores apresentam sinalizações sonora e visual. O alarme sonoro normalmente é o primeiro a ser percebido, principalmente em uma UTI grande ou com poucos profissionais. O que você faria para compensar a falta de percepção auditiva nos casos de disparos dos alarmes?
3. As etapas do exame físico do paciente são a inspeção, palpação, ausculta e percussão. Para realizá-las necessitamos das percepções sensoriais: visual, tátil e auditiva. Como você compensaria a falta da ausculta no exame físico, sendo uma portadora de deficiência auditiva?
Rachel...
Daniel, em relação as suas perguntas sobre o impedimento de realizar a bateria de estágio de fisioterapia em UTI. Você sabe que é dentro desses desafios que sobressai a fisioterapia. De acordo com a minha experiência de dois meses de estágio que cursei, pude aguçar a deficiência no interesse de capacitar e ou supervisionar de forma melhor pessoas especiais que cursam ou cursaram a fisioterapia. É claro que tem alguns docentes da graduação com esse "medo" de falar em público o caminhar lado a lado com a preocupação em ser aceito pelo grupo (como se diz: pois sabemos que todo mundo tem camuflado em seu âmago um lado cavernoso).
Então Daniel, os motivos que levaram a falta de incentivo por parte dos docentes para o meu ingresso nesta área, são devidos a má gestão de pessoas, pelo menos é o que eu acho. Para mim, eles não puderam ou souberam me "estudar" para saber o que poderiam esperar de mim e como fariam para me motivar. Não sabiam como eu deveria agir dentro da UTI. Penso que aqueles que aprendem muito sobre a gestão de pessoas carregam tamanha responsabilidade de modo a evitar o excesso de descontentamento por parte das pessoas. Sabe, eu acho que os docentes não estavam preparados para partilhar experiências e encarar novos desafios impostos pela minha condição clínica e fisioterapêutica. Por isso que te falo que acho que esse lance de gestão de pessoas, generalização de idéias, estudo de pessoas, motivação e tal, são coisas de elite dominante. Eu penso assim: é como mostrar ao predador que pode explorar a estúpida presa vendida!!! hehehehe
Daniel, te contei que não ouço, certo?! Mas, realizo minha comunicação através de leitura labial, também acompanho esse recurso a visão. Sou surda oralizada (ou seja, tenho oralização perfeita), todos compreendem e entendem a minha comunicação oral.
Na bateria de estágio que cursei, passei pela clinica médica, doenças infecto-parasitárias, CTI adulto, ambulatório..., o que mais gostei foi a parte do CTI adulto. Ao adentrar no 1º dia já imaginava como seria o meu trabalho no CTI, jaleco, roupa branca, sapatos fechados, cabelos presos, carteira de vacina em ordem. Antes de atender o paciente crítico, eu pegava a caneta e o papel para anotar todos os parâmetros do ventilador mecânico, a pressão arterial do paciente, a saturação de oxigênio, a gasometria arterial. O negatoscópio ficava ligado para visualização da radiografia do paciente. No ventilador mecânico (inter 5), observava a sinalização luminosa e buscava saber o significado de cada uma delas. Daniel, na UTI o fisioterapeuta realiza ausculta pulmonar, mas ele não está sozinho, tem a equipe médica, de enfermagem (técnicos), um par da graduação, porque geralmente o estágio é em duplas. Mesmo que o fisioterapeuta não realize a ausculta pulmonar, o médico a realiza e você pode obter esta informação com ele ou observá-la no prontuário do paciente.
Quando eu ficava sozinha com o paciente no box, avaliando paciente em coma, ao tocar (ausculta pulmonar) o pulmão do paciente com as mãos (região palmar) eu conseguia identificar sibilos, roncos, estertores bolhosos e mesmo que eu conseguisse identificar o ruído adventício eu chamava a minha colega de estágio para confirmar através da ausculta no paciente.
Quanto à aspitação traqueal ou orotraqueal, normalmente é um procedimento tranquilo de realizar, depende também da gravidade do paciente. A primeira coisa que devemos saber antes de começar a atender é se o paciente está em isolamento de contato ou respiratório. Então, eu pegava todos materiais e equipamentos necessários para não ficar para lá e para cá, sabe?! Eu pegava as luvas, as sondas, o soro, a seringa, as luvas estéreis... Eu colocava a luva de procedimento, o capote, a máscara, a touca e e para realizar a aspiração traqueal, colocava as luvas estéreis com cuidado para não contaminá-las. Antes da aspiração, eu realizava uma manobra de Higiene Brônquica (aumento do fluxo expiratório), avaliava a entrada de ar nos pulmões e a presença e o deslocamento das secreções através da visão e do tato. O tempo todo acompanhava a monitorização dos parâmetros ventilatórios, SaO2, pressão arterial, FC... certo?
Após as manobras desobstrutivas eu realizava então a aspiração das secreções do paciente, desconectava o circuito do ventilador do tubo do paciente e aspirava, sempre olhando a saturação de oxigênio, a FC, as reações do paciente... Reconectava em seguida o ventilador. Com uma das mãos manuseava a via aérea e o circuito e com a outra, sem contaminar, aspirava. Quando terminava este procedimento, checava sempre os parâmetros do ventilador, os sinais vitais pelo monitor e o próprio paciente para certificar se está tudo normal. Descartava o material utilizado no lixo e só ficava com as luvas de procedimento para dar início à fisioterapia motora. Quando terminava tudo, deixava o leito arrumado e lavava as mãos. Evoluia no prontuário toda a minha avaliação e os procedimentos realizados com o paciente.
Foi com esta intenção que eu recorri ao Reitor, o meu objetivo era preservar um direito meu, que é o de ter as mesmas oportunidades que os colegas da graduação recebem, independente de minha condição, que não é impeditivo algum para a realização dos compromissos profissionais ou acadêmicos. Então, não pressupõe da audição para o exercício da profissão.
Daniel, eu estava sendo uma excludente social na Universidade e não permiti que isso acontecesse, se eu não tivesse reivindicado os meus direitos, eu estaria me prejudicando na busca do mercado profissional. Ou melhor, eu não teria a mínima noção sobre a atuação do fisioterapeuta dentro de uma UTI. Você entende o porque que eu não queria declinar de acompanhar uma bateria de estágio que acrescentou muito para a vida profissional, ...acrescentou muito em conhecimento teórico, conhecimento sobre os problemas que encontramos dentro da UTI, conhecimento sobre as alternativas de tratamento para este tipo de paciente... É essa fisioterapia que queremos!!!
Para finalizar, vou usar um pouco da filosofia agora, eu acho que depois que cursei essa bateria de estágio aprendi a ter uma visão sistêmica das coisas, pude ver o modo com que determinadas ideologias nos leva a percebermos a realidade, que a nossa atual visão sistêmica é positivista (e sabemos, que infelizmente a maioria é pessimista, digo os " Docentes") e que defino a realidade como tudo que está a nossa volta e que as coisas são o que são e ponto. Mesmo através da religião há a defesa da inalterabilidade da realidade (quem nunca ouviu falar em "destino").
Bom, todos os professores da minha graduação, ficaram sabendo do que fiz e não esperavam que eu lutasse pelos meus direitos. E ainda sai em coluna do jornal onde escrevo metendo bedelho em UTI. Depois te mando a coluna. rsrsrsrs Não sou fraca não. kkkkkkkkkkkkkk
Eu...
Rachel, a sua história tem mais é que sair em muitas colunas de jornais e também nas rádios e canais de televisão. Esta experiência serve de exemplo a todos nós, tanto os ditos "normais" quanto os ditos "deficientes" - que deficiente não tem nada!!! A deficiência está na cabeça e você é a prova disso!
Fiquei muito contente e lisonjeado em ter o privilégio de te entrevistar, pena que eu não te conheço pessoalmente, mas, desde já, fique sabendo que admiro muito o seu trabalho.
Através do seu site, divulgue tudo isso e muito mais, eu sei que você é uma guerreira em busca dos direitos humanos na inclusão social!!! Conte comigo para o que precisar.
Aos leitores deste blog, não deixem de visitar o site da Dra. Rachel Silveira: Fisioterapia e inclusão social. Nele, vocês poderão ver vários trabalhos dela relacionados com a inclusão social de deficientes e outros assuntos também. Vale muito a pena, eu recomendo!
Aguardem novas publicações!
Abraços a todos.
12 comentários:
História de garra e luta pelos seus direitos!!! História de uma pessoa que, como muitas, buscam a perfeição, para mostrar ao mundo que é capaz!!! Como falo sempre pra ela: Amo seu jeito de ser, amo seu jeito de encarar a vida!!! Queria ter eu metade da garra que ela tem!!
Adriana, apesar do pouco contato que tive com a Rachel, pude ver um pouquinho, "só a ponta do iceberg", da força que essa guerreira tem na busca dos seus ideais.
Rachel... Seu depoimento me chamou muito a atenção, mas gostaria que você soubesse que no último congresso em Recife conheci uma fisioterapeuta que tem muito pouco da audição e, mesmo usando aparelho, só consegue se comunicar pela leitura labial... e ela trabalha numa UTI em Maceió... Passou em um concurso, justamente na vaga para deficiente e me disse que nunca teve problemas lá por nao poder realizar a ausculta... Sempre dá um jeitinho... Além disso, fisioterapia respiratória nao é apenas desobstrução e aspiração.. sabemos disso... Lute sim, pelos seus direitos... Parabéns
Chris....agradeço em nome da Rachel, vou passar para ela este seu relato. Estou certo que ela ficará muito contente em saber que tem uma deficiente auditiva bem sucedida nesta área. Obrigado!
Olá Daniel,
Sensacional a história da Rachel. A primeira coisa que me veio em mente quando comecei a ler este post foi em relação à ausculta pulmonar. A solução que ela encontrou, principalmente no desenvolvimento da percepção tátil é impressionante.
Parabéns Rachel, muito sucesso em sua vida profissional.
Humberto
Excelente!
Se os profissionais lutassem pelos seus direitos assim como ela luta pelos dela, talvez a "cara" da nossa profissão fosse mais forte.
Personalidade e ideais sempre presentes, gostei muito dela!
uma grande abraço!!!
"Agradeço à todos que escreveram o comentário e principalmente ao Dr. Daniel, que fez um convite maravilhoso para ser entrevistada neste blog, no qual o site nos traz informações excepcionais e atualizadas nos assuntos temáticos em fisioterapia intensiva! Obrigada mais uma vez, e obrigada por estarem partilhando junto nas minhas conquistas, vitórias!!! Só deixo um legado: nunca debitem de vossas deficiências! LUTE! E orgulhe daquilo que vc tem de bom! Obrigada pessoal!"
Rachel
Eu conheço a Rachel, foi minha fisioterapeuta durante algum tempo, tratando de uma lesão em meu ombro esquerdo, e realmente ela é um exemplo de persistência e superação. Sua garra e objetividade é algo que vai alem das espectativas de muitos. É um exemplo pra todos, sejam aqueles que apresentem alguma limitação ou não. Ter um objetivo, e realiza-lo, seja como for... é uma das lições que pude aprender com ela. Eu, estudante de fisioterapia, fico lisongeado em conhece-la, e sei que o que aprendi com ela durante as sessões de orto, nunca vou aprender em uma sala de aula. A ela digo duas coisas.. primeiramente PARABÉNS, e OBRIGADO por tudo que me ensinou.
Renan Werny Garcia
Como o mundo seria bom se 10% das pessoas tivessem a índole e a perseverança da Rachel, hein?
O que é a deficiência auditiva para uma vencedora?
Em sua função, vejo até a particularidade da Rachel como um atributo positivo, afinal, fisioterapeutas devem ter enorme sensibilidade... e há como alguém ser mais sensível do que uma pessoa que viveu a sua vida em função do autoconhecimento e autodesenvolvimento e adquiriu sobras de virtudes em seus outros sentidos e instintos?
É isso aí Rodrigo. Posso dizer que depois que conheci esta mulher sensacional mudei a maneira de encarar a realidade!
Obrigado pelo depoimento.
Abçs.
FISIOTERAPIA NEUROLÓGICA, RPG E REPIRATÓRIA É MEU SONHO.
ESTE ANO INICIAREI MINHA FACULDADE NESTA ÁREA.
MAS EU TENHO MEDO DE FAZER A FACULDADE E NÃO CONSEGUIR EMPREGO NA ÁREA.
meu e-mail é: diane.1994sjc@gmail.com
FISIOTERAPIA É MEU SONHO.
MAS TENHO MEDO DE NÃO CONSEGUIR EMPREGO NA ÁREA.
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