DEFINIÇÃO, ETIOLOGIA e FISIOPATOLOGIA:
SDRA e Lesão Pulmonar Aguda - LPA são definidas como falência respiratória de instalação aguda, caracterizada por infiltrado pulmonar difuso e bilateral à radiografia de tórax, complacência pulmonar reduzida, hipoxemia grave - P/F menor que 200 para SDRA e menor que 300 para LPA, pressão de oclusão da artéria pulmonar menor que 18 mmHg ou auxência de hipertensão atrial esquerda e fator de risco para lesão pulmonar - The American-European Consensus Conference on ARDS. Am J Respir Crit Care Med. 1994.
SDRA, tem como fisiopatologia, uma inflamação difusa da membrana alvéolo-capilar. A agressão pode ser direta, o que resulta na liberação de citocinas e outros mediadores inflamatórios secretados pelo epitélio pulmonar - SDRA pulmonar, ou indireta, com liberação dos mediadores inflamatórios pela células endoteliais pulmonares - SDRA extrapulmonar. As etiologias mais freqüêntes de SDRA pulmonar são: broncoaspirações de conteúdo gástrico, pneumonia, contusão pulmonar..., e de SDRA extrapulmonar são: sepse, traumatismo, pancreatite, politransfusão...
A lesão da membrana alvéolo-capilar resulta do extravasamento de fluido rico em proteínas para dentro dos alvéolos, comprometimento dos pneumócitos tipo - I e tipo - II, alteração na produção e função do surfactante e formação de membrana hialina nas paredes alveolares. As conseqüências são o espessamento da membrana alvéolo-capilar pelo edema, as atelectasias e fibrose pulmonar. Por sua vez, isto leva a uma redução na complacência pulmonar, aumento do trabalho respiratório e hipoxemia grave devido ao "shunt" intrapulmonar maciço.
Na SDRA direta o envolvimento do parênquima pulmonar é multifocal, ao passo que na indireta, a alteração é mais difusa e uniforme devido a distribuição hematogênica dos mediadores inflamatórios. Na direta, existe uma prevalência de colápso alveolar, exudato fibrinoso e edema alveolar.
A elastância estática do sistema respiratório-SR parece similar entre a SDRA pulmonar e extrapulmonar. No artigo citado a seguir, Gattinone L, Pelosi P, Suter P M et al. Acute Respiratory distress syndrome caused by pulmonary and extrapulmonary disease. Different syndrome? Am J Respir Crit Care Med, 1998; 58:3-11, os autores verificaram que a despeito da PEEP utilizada, a elastância estática pulmonar era maior na SDRA direta, enquanto que a elastância estática da parede torácica era maior na indireta, e que isto interfere no recrutamento alveolar e na titulação da PEEP.
Na SDRA indireta ou extrapulmonar, o recrutamento é mais fácil que na pulmonar, isto ocorre em virtude de uma pressão transpulmonar menor (pressão intra-abdominal maior e uma elastância pulmonar menor), decorrente do edema intersticial sistêmico de origem inflamatória extrapulmonar e atelectasias.
Na SDRA direta ou pulmonar, devido a prevalência de lesão epitelial alveolar multifocal (consolidação alveolar) e uma pressão transpulmonar maior, o recrutamento destas áreas necessitaria de pressões inspiratórias muito elevadas, isto por sua vez, resultaria em lesão pulmonar pela hiperdistensão e cisalhamento das unidades alveolares com menor ou nenhum comprometimento.
O papel da parede torácica na mecânica do SR na SDRA extrapulmonar citado acima, foi demonstrado também por Albaiceta G M, Taboada F, Parra D, et al. Differences in the deflation limb of pressure-volume curves in acute respiratory syndrome from pulmonary and extrapulmonary origin. Intensive Care Med. 2003; 29: 1943-1949,
Na prática clínica é muito difícil distinguir entre os fatores etiológicos que resultam em SDRA direta e indireta, em muitos casos estes fatores podem coexistir o que dificulta a condução do tratamento específico para cada tipo. Estudos experimentais com cobaias conseguem desenvolver modelos específicos das formas de SDRA. A maioria destes estudos relatou que a MRA é mais benéfica na LPA extrapulmonar que na pulmonar, alguns destes fatores estão descritos no quadro abaixo. Uma característica que pode ajudar a elucidar o tipo de SDRA no ambiente hospitalar está na medida da elastância dos componentes parede e pulmão do SR.
VENTILAÇÃO MECÃNICA:
Os obletivos gerais da ventilação mecânica são:
- Promover adequada troca gasosa;
- Evitar a lesão pulmonar induzida pela ventilação mecânica - VILI;
- Minimizar o comprometimento hemodinâmico decorrente da elevada pressão intratorácica.
A ventilação mecânica, atualmente, é parte essencial no tratamento da SDRA em virtude de assegurar a ventilação e a oxigenação arterial nas fases mais avançadas onde os músculos respiratórios seriam incapazes de fazê-la. Entretanto, a forma como se ventila os pacientes em geral, pode constituir em desenvolvimento ou agravo da injúria pulmonar. As complicações infecciosas decorrentes de uma ventilação invasiva com um tubo endoraqueal e as alterações hemodinâmicas provocadas pela ventilação por pressão positiva podem resultar em aumento da mortalidade na SDRA.
MODO VENTILATÓRIO:
Quanto ao modo ventilatório utilizado na SDRA, não existem trabalhos que avaliaram a morbidade e a mortalidade relacionada aos modos volume-controlado e pressão-controlada. A recomendação do Consenso é para o uso dos modos com pressão-controlada, sempre que possível. Estes modos restringem a pressão inspiratória a um valor fixo, prevenindo desta forma a hiperdistensão alveolar (um dos fatores relacionados à VILI), o fuxo inspiratório desacelerado permite uma melhor distribuição do volume corrente nas unidades alveolares com constantes de tempo diferentes. A maior limitação desta modalidade é o volume corrente inconstante, pois ele sofre variações com as mudanças na mecânica respiratória.
VOLUME CORRENTE e PRESSÃO DE PLATÔ:
Três grandes ensaios clínicos multicêntricos e randomizados, citados abaixo, mostraram uma redução na mortalidade dos pacientes com SDRA que utilizaram baixos volumes correntes, 6 ml / Kg de peso corporal e a pressão de platô máxima de 30 cm H2O comparada a ventilação convencional (12 ml / Kg). Esta estratégia, chamada de estratégia protetora pulmonar, visa evitar a lesão pulmonar associada à hiperdistenção alveolar.
Amato M B, Barbas C S, Medeiros D M, Magaldi R B, Schettino G P, Lorenzi-Filho G, et al. Effect of the protective-ventilation strategy on mortality in the acute respiratory distress syndrome. N Engl J Med. 1998; 338 (6): 347-54.
Ventilation with lower volumes as compared with traditional tidal volumes for lung injury . The acute respiratory distress sindrome network. N Engl J Med. 2000; 342 (18): 1301-8.
Vilar J, Kacmareck R M, Perez-Mendes L, Aquirre-Jaime A. A high positive end-expiratory pressure, low tidal volume ventilatory estrategy improves outcome in persistent acute respiratory sindrome: a randomized, controled trial. Crit Care Med. 2006; 34 (5): 1311-8.
Um outro trabalho, Petrucci N, Iacovelli W. Ventilation with lower tidal volumes versus traditional volumes in adults for acute lung injury and acute respiratory distress syndrome. Cochrane Database Syst Rev. 2004 (2): CDOO 3844, mostrou que a utilização de baixos volumes correntes comparada com volumes correntes convencionais não apresentou diferença significativa desde que a pressão de platô não ultrapassasse 31 cm H2O.
Hipercapnia permissiva, retenção permitida de CO2 acima do normal, pode ser bem tolerada pelos pacientes com SDRA, desde que seja necessário reduzir o volume corrente para se manter a pressão de platô nos valores mais seguros, Carvalho C R, Barbas C S, Medeiros D M, Magaldi R B, L orenzi Filho G, Kairalla R A, et al. Temporal hemodynamic effects of permissive hypercapnia associated with ideal PEEP in ARDS. Am J Respir Crit Care Med. 1997; 156 (5): 1458-66.
PRESSÃO POSITIVA AO FINAL DA EXPIRAÇÃO - PEEP e MANOBRA DE RECRUTAMENTO ALVEOLAR - MRA:
O uso da PEEP está recomendado na SDRA / LPA, para se evitar as altas concentrações de O2 e o colápso alveolar ao final da expiração. Outro argumento para o uso da PEEP está no seu efeito protetor pulmonar contra a lesão pulmonar induzida pela arbetura e fechamento cíclicos das unidades alveolares recrutáveis.
Não existe um consenso quanto ao valor da PEEP ideal na SDRA, valores entre 8 e 16 cm H2O estão descritos na literatura. Esta larga faixa de PEEP existe em virtude de diversos fatores, como: o tipo de SDRA / LPA direta ou indireta (que podem coexistir em maior ou menor grau), as causas dos tipos de SDRA, os diferentes graus de comprometimento pulmonar, as diferentes pressões transpulmonares entre SDRA direta e indireta, o posicionamento corporal do paciente adotado, o manuseio clínico e ventilatório de cada paciente no momento do estudo, a condição hemodinâmica do paciente, o tipo de manobra de recrutamento alveolar - MRA utilizada e etc.
Estudos experimentais como o de Kloot T E, Blanck L, Melynne Youngblood A, et cols. Recruitment maneuvers in three experimental models of acute lung injury. Effect on lung volume and gas exchange. Am J Respir Crit Care Med, 2000; 161: 1485-1494 e outros estudos clínicos, já citados, demostraram que a MRA e níveis mais elevados de PEEP resultam na melhora da oxigenação arterial, mecânica pulmonar e redução do colápso alveolar de forma mais efetiva na SDRA extrapulmonar que na pulmonar.
A tendência atual é para a realização de uma MRA antes da titulação da PEEP, a evidência clínica sugere para a MRA, o uso de CPAP com pressões elevadas por períodos longos (ex. 40 cm H20 por 40 segundos), pressões inspiratórias elevadas (50 ou 60 cm H2O) seguidas da elevação da PEEP ou o uso da posição prona.
A realização da MRA e o uso de PEEPs elevadas, ainda que melhorem a troca gasosa, são temas de discussão quanto ao seu benefício clínico.
A escolha da PEEP deve levar em consideração a melhor oxigenação arterial, observada pela melhora da PaO2 / FiO2, respeitando entretanto, a faixa recomendada para a pressão de platô e o volume corrente. Contudo, ter como base para o recrutamento alveolar somente a troca gasosa, pode levar ao erro, visto que uma redução no débito cardíaco provocada por uma PEEP mais elevada pode potencializar o efeito da vasoconstricção pulmonar hipóxica e reduzir o "shunt" pulmonar, isto resultaria numa melhora da PaO2 sem que mais alvéolos fossem recrutados, Dantzer D R, Lynch J P, Weg J G. Depression of cardiac output is a mechanism of shunt reduction in the therapy of acute respiratory failure. Chest 1980; 77: 636-42.
A mecânica respiratória (melhor complacência) e um método de imgem como: a tomografia computadorizada ou a tomografia por impedância elétrica do tórax (mais interessante por ser livre de irradiação, portátil e permitir avaliação dinâmica da ventilação e perfusão pulmonar), podem auxiliar durante a MRA e o ajuste da PEEP, além de fornecerem mais dados sobre os efeitos da MRA na SDRA pulmonar e extrapulmonar.
Um método muito descrito para titulação da PEEP é o da curva pressão-volume (P/V) estática inspiratória do sistema respiratório, na construção da curva se identifica o ponto de inflexão inferior (Pinfl inf) e o ponto de inflexão superior (Pinfl sup) - ver gráfico abaixo. O Pinfl inf se correlaciona com a transição entre o colápso e a abertura alveolar (recrutamento) e o Pinfl sup se correlaciona com a hiperdistensão alveolar. É recomendado programar uma PEEP 2 cm H2O acima do Pinfl inf e não ultrapassar, durante a ventilação, uma pressão de platô igual ao Pinfl sup.
Uma crítica a este método é que a PEEP é uma pressão expiratória e não inspiratória e portanto, a sua função não é a de recrutar alvéolos e sim a de evitar o derrecrutamento. Para isso, alguns autores propõem a identificação do ponto de inflexão na curva expiratória (Pinfl exp) e que a PEEP se situe um pouco acima deste ponto.
O retângulo do gráfico delimita a área que deve ser utilizada para a ventilação, a PEEP deverá ficar num ponto dentro do retângulo, logo acima da curva inspiratória ou da expiratória. Note, que este valor é maior que o do Pinfl inf da curva inspiratória.
Outro comentário controverso sobre a curva P / V estática é que o sistema respiratório é dinâmico e as suas propriedades mecânicas abrangem elementos tempo-dependentes (constantes de tempo alveolares), como a viscoelasticidade e a inomogeneidade ou heterogeneidade. A inomogeneidade está aumentada na injúria pulmonar, em função disso, as medidas dinâmicas estão recebendo maior atenção dos pesquisadores, Mols G, Priebe H J, Guttmann J. Review Article. Alveolar recruitment in acute lung injury. Br J Anaesth, 96 (2): 156-66, 2006.
A oxigenação arterial deve atender a uma PaO2 mínima de 60 mmHg e/ou uma Sat O2 mínima de 90%. Isto deve ser atingido com uma FiO2 abaixo de 60%, sempre que possível, para evitar o desenvolvimento de atelectasias de absorção e toxicidade pelo oxigênio.
A posição prona deve ser recomendada para os pacientes que necessitam de PEEPs elevadas e altas FiO2 (> 60%), a menos que haja grave risco clínico ao paciente para a mudança postural. Muitos pacientes melhoram a oxigenação na posição prona, este efeito pode persistir por algum tempo quando retornam à posição supina. Os estudos ainda são controversos quanto ao impacto da posição prona na mortalidade destes pacientes. Alguns autores sugerem que alguma redução na mortalidade possa ser obtida quando a posição prona for adotada precocemente nos pacientes mais graves.
Outros métodos como: Ventilação líquida parcial, reposição de surfactante, oxigenação por membrana extracorpórea e remoção extracorpórea de CO2, ainda carecem de estudos, os resultados obtidos nos estudos realizados não mostram diferenças entre estes métodos e a ventilação convencional quanto à mortalidade dos pacientes adultos com SDRA.
Uma metanálise sobre a utilização do óxido nítrico (ON) inalatório mostrou ser útil como terapia de resgate nos casos de hipoxemia grave não responsiva aos métodos mais convencionais, mas não observou qualquer efeito na redução da mortalidade.
Referência:
III Concenso Brasileiro de Ventilação Mecânica;
Revista Brasileira de Terapia Intensiva, vol 20, n°2, 178-183, abril / junho, 2008.
Artigos científicos citados.
Aguardem as próximas publicações!
Abraços!
10 comentários:
Arrasando como sempre nas postagens Daniel!
Muito boa a abordagem sobre um tema que é bastante comentado, mas com poucas informações "novas" como essas que vc fez sobre a titulação na curva expiratória, avaliação pela saturação e etc.
Excelente pra quem como eu está começando!!
beijos,
Thaise
Adorei a aula!!! Agora só estudo pelo blog!!! rsrsrs... Saudades! Bjo!
Daniel, parabéns pela abordagem e base científica implementada.
Gostaria que participasse junto comigo de desafios em termos de casos clínicos, postei um no meu blog...convide seus alunos para participar.
grande abraço
Rodrigo Queiroz
Grande daniel, parabéns pelos artigos...muito bons mesmo.
Gostaria da sua contribuição nos desafios clínicos que estou propondo no meu blog, convide seus alunos para participar.
Grande abraço
Danii adorei a aula! ;)
Bem clara e objetiva!!!
Excelente! =) Parabéns!
Saudades sempre!
Bjos!
Muito obrigado pelos elogios!
Abçs a todos.
Grande Daniel, postei mais casos. Saiba que suas contribuições estão sendo muito importantes, e pode ficar a vontade para opinar...só assim cresceremos juntos...estou muito engajado em fazer a fisioterapia se comunicar (êta tarefa difícil)...E o objetivo do meu blog é justamente esse...Aguardo os seus casos..
Grande abraço, envi-me seus contatos para que possamos viabilizar uma vinda sua aqui a Jequié...Já está convidado, e apezar de não conhec~e-lo pessoalmente acredito que lutamos por uma mesma causa...Uma fisioterapia mais séria, mais científica e com maior resolutividade...Grande abraço amigo.
Meu amigo, que falta você nos faz. Hoje, buscando informações para elucidar problemas de um paciente nosso, encontrei seu artigo, que, brilhantemente esclareceu minhas dúvidas.
Um grande abraço com muitas saudades, Gláucia.
Oi Daniel, gostei do seu blog, fico feliz em ver que você está firme na profissão. Valeu a pena!
Um grande abraço
Kenia Maynard (Hospital Universitário Pedro Ernesto)
Gostaria de saber sobre trabalhos recentes de recrutamento ou SARA voçê sabe ou possui 2010/11.
Li outro dia de um estudo com pacientes pós SARA New N Engl J Med 2011; acompanhando o paciente durante 5 anos
Juliano obrigado
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