quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Modo Ventilatório - Tracheal Gas Insufflation - TGI (parte 2)

A história da TGI, no cenário da terapia intensiva, acompanhou a evolução do conhecimento sobre as doenças respiratórias agudas graves e o avanço tecnológico na área de saúde.

Na década de 1950, o Suporte Ventilatório Mecânico - SVM de pacientes agudos era baseado em orientações originadas nas salas de cirurgia: VC = 15 ml/Kg de peso corporal e sem pressão positiva expiratória terminal ou PEEP.

Após a publicação de Ashbaugh, Pett, Bigellow e Levinne, em 1967, no Lancet, iniciou-se a era da Síndrome da Angústia Respiratória Aguda (SARA), cujo tratamento conhecido como efetivo era a ventilação mecânica com parâmetros da década de 1950 acrescido da PEEP. A finalidade nesta época era atingir valores gasométricos normais com estes pacientes.

Com o avançar dos anos e das pesquisas, vários conceitos foram se incorporando, alterando desde os aspectos conceituais e fisiopatológicos da SARA como também as estratégias de tratamento. Dentre as principais, detacam-se influenciando o suporte ventilatório:

1- A agressão pulmonar não é homogênea atingindo alvéolos de forma uniforme e sim heterogênea. Portanto, encontramos alvéolos totalmente comprometidos, colabados, não recebendo nenhum fluxo aéreo, como também alvéolos recrutáveis e até mesmo normais em sua função de troca gasosa.

2- As alterações da mecânica ventilatória está relacionada tanto ao aumento da resistência das pequenas vias aéreas quanto à redução da complacência estática efetiva.

3- O pulmão não deveria ser considerado "duro", mas "pequeno", diminuído em grande parte no seu volume de troca.

Estes três ítens levaram às alterações dos ajustes do ventilador, individualizando as condutas quanto à fase da SARA.

Evidências, inicialmente de estudos experimentais, mostraram que altas pressões (> 30mbar) e volumes correntes considerados "normais" (10 a 15 ml/Kg de peso corporal) pioravam a agressão pulmonar, tanto pela hiperinsuflação de uma reduzida área recrutável, quanto pelo aumento do potencial para outros efeitos deletérios da ventilação mecânica, tais como: pneumotórax, diminuição do débito cardíaco e outros. Isto tornaria o SVM não mais um ítem de suporte, mas de alta iatrogenia para o paciente.

Com o objetivo de procurar uma forma de suporte que levasse a uma menor interferência na fisiopatologia deste paciente, várias formas foram propostas no sentido de otimizar a ventilação / respiração.

1- Ventilação ciclada a tempo com constância de volume convencional e ajuste no fluxo tanto na forma quanto no valor, fonecendo baixos volumes correntes (4 a 7 ml/ Kg).

2- Ventilação controlada a pressão, também fornecendo baixos VC.

Nestes dois ítens, o objetivo é a manutenção de baixas pressões de ventilação ajustadas à frações inspiratórias de oxigênio (FiO2) consideradas não tóxicas ( = ou < 60%). Vários relatos, na época, mostraram uma redução importante da mortalidade quando comparada com índices previstos pelo APACHE II, levando ao uso maior destes ajustes ventilatórios nas UTIs. Entetanto, observa-se uma consequência imediata ao uso desta técnica, o aparecimento da hipercarbia e acidose respiratória, nas fases mais avançadas da SARA. Como orientação a esta estratégia, deve-se permitir a ascenção lenta da PaCO2, proporcionando uma compensação em seu quadro ácido-base ou minimização da acidose, como uma boa tolerância pelo paciente. Em determinadas situações, a hipercarbia permitida (HP) não é bem tolerada, levando a riscos, principalmente ao nível da elevação da pressão intracraniana e alterações hemodinâmicas importantes (arritmias, queda do débito cardíaco e hipotenção arterial). Na tentativa de minimizar estes efeitos foram desenvolvidas técnicas invasivas e dispendiosas para eliminar o gás carbônico acumulado. Dentre elas, destacam-se: a- IVOX (oxigenador intravascular). Catéter duplo, instalado na veia femural, um para ofertar O2 e outro para remover o CO2, tendo como elemento de troca um composto de membranas artificiais. b- ECCO2R (remoção extracorpórea de CO2). Técnica proposta por Gattinonni, constituída pela aplicação de um "by-pass" veno-venoso para a retirada de CO2 e cateter de O2 intratraqueal para auxílio da oxigenação durante a ventilação mecânica, utilizando uma baixa frequência respiratória (4 irpm) e PEEP elevadas (20 mbar). Estes métodos, no entanto, necessitavam de grandes recursos, tanto de pessoal qualificado envolvido, quanto de alta e sofisticada tecnologia, sendo também acompanhados por efeitos indesejáveis, como por exemplo a hemostasia, provocada pela anticoagulação prolongada. Procurado-se obter um mesmo resultado quanto à retirada de CO2, foi proposta a denominada insuflação traqueal de gás - TGI. Na publicação seguinte falarei das formas de aplicação, efeitos, indicações e contraindicações da TGI. Abraços a todos!

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Modo Ventilatório - Tracheal Gas Insufflation - TGI (parte 1)

TGI ou insuflação traqueal de gás, consiste na aplicação contínua ou na fase expiratória de um fluxo de gás no interior das vias aéreas, simultaneamente à ventilação artificial ou espontânea. Quando esta técnica está associada à ventilação artificial, é considerada por muito autores como um método ventilatório não convencional ou técnica especial de ventilação. Nesta condição, a sua finalidade é remover o excesso de CO2 das vias aéreas quando a ventilação mecânica convencional, nos limites seguros da sua aplicação, não consegue. É utilizada principalmente nos casos onde há contraindicação da hipercapnia ou quando a hipercapnia ultrapassa os limites permissivos ou toleráveis. Também pode ser utilizada durante respiração espontânea, porém não é muito difundida neste caso.

Um dos primeiros estudos descritos que contribuíram para origem desta forma de ventilação, foi o de Robert Hooke em 1667. Ele insuflou ar fresco dentro da traquéia de animais apnêicos e conseguiu mantê-los vivos.

Nos anos de 1900, muitos estudos foram realizados para tentar esclarecer os efeitos fisiológicos desta técnica na condição de apnéia.

Em 1908, Volhard F. verificou que animais apnêicos vivos desenvolviam pressões intratorácicas subatmosférica (aproximadamente - 20 cmH2O).
Tal fato, resulta da remoção do oxigênio alveolar pelo sangue que perfunde o capilar pulmonar por diferença de pressão parcial gasosa. Isto cria uma redução na pressão intralveolar e intratorácica. Quando as vias aéreas estão livres, este gradiente pressórico gera um fluxo gasoso contínuo do oxigênio no sentido das vias aéreas para o alvéolo.

Em 1944, Draper W.D. & Whitehead R.W. mantiveram animais apnêicos vivos com oxigenação adequada por aproximadamente 90 min, através da insuflação traqueal contínua de oxigênio a 6L/min. A PaCO2 atingiu níveis de 300 mmHg e levou os animais a morte. Eles denominaram esta técnica de "Difusão respiratória".
Em 1951 foi aplicada em humanos e em 1956 foi denominada de "Oxigenação apnéica".
Este resultado aconteceu, porque quando um baixo fluxo de oxigênio foi ofertado proximalmente nas vias aéreas superiores, ocorreu um deslocamento do oxigênio no sentido alveolar, por difusão do O2 na membrana alvéolocapilar, já explicado, e não houve praticamente nenhum efeito na remoção do CO2.

Em 1985, Slutsky A.S. e cols. posicionaram a ponta de um cateter de 2mm de diâmetro interno a 1 cm acima da carina principal e liberaram um fluxo de O2 entre 0,2 e 3 L/min. Eles verificaram que a PaCO2 se manteve entre 100 e 200 mmHg e concluíram que houve uma ventilação alveolar de aproximadamente 25 % da normal mesmo na condição apnêica.
Este fenômeno aconteceu porque, com a colocação mais distal da ponta interna do cateter, além do efeito na oxigenação, passou a existir alguma remoção do CO2 do espaço morto anatômico (EMa) e consequentemente uma difusão do CO2 na membrana alvéolocapilar, no sentido do capilar para o alvéolo, por diferença de pressão parcial.

Lehmert B.E. e cols., em 1982, conseguiram obter normocapnia em animais apnêicos através da introdução de dois catéteres, um em cada brõnquio fonte, e uma liberação de alto fluxo de ar (1,5 a 2,5 L/Kg/ min). Eles denominaram esta técnica de "Ventilação com fluxo constante".
Este resultado foi possível com a associação do posicionamento distal dos catéteres, um em cada brônquio fonte, e a aplicação de altos fluxos de gás.

A figura abaixo foi adaptada de Watson et al. Am Rev Respir Dis - 1986.




Nela, os autores dividiram esquematicamente a árvore brônquica em três zonas. A zona 1a, representa as vias aéreas mais calibrosas, nesta região o fluxo de gás se comporta de forma bidirecional, distal e proximal, nesta zona praticamente todo o CO2 é removido. A zona 1b, representa os brônquios de calibres intermediários, nesta região o fluxo gasoso se torna turbilhonar e uma boa parte do CO2 é removida. Na zona II, região distal aos bronquíolos terminais, não há efeito direto do fluxo do cateter e o deslocamento dos gases ocorre pela difusão molecular.

Uma conclusão que se pode tirar é, que a posição do cateter e o fluxo de gás interferem na remoção do gás carbônico das vias aéreas, alvéolo e do sangue.

Até então, estes estudos foram feitos nas condições de apnéia tanto em animais quanto em humanos.

Em 1989, Bergofsky e cols. injetaram um fluxo gasoso entre 5 e 8 L/min, de uma mistura entre oxigênio e ar, através de um cateter traqueal, em pacientes com falência respiratória crônica. A FiO2 (mistura) foi ajustada para atingir uma SpO2 entre 92 e 95%. Eles verificaram que houve uma redução no volume corrente e na necessidade ventilatória minuto destes pacientes e também uma redução na PaCO2. O resultado foi uma redução no EMa de aproximadamente 49%.

Em condições normais aconteceria o contrário, uma redução na ventilação minuto alveolar resultaria no aumento da PaCO2 e não na sua redução. Mas, com o cateter traqueal liberando um fluxo direto na traquéia há uma redução do CO2 do EMa proximal, desta forma, mesmo que haja uma redução no volume corrente ou na ventilação minuto espontânea pode haver também uma PaCO2 mais baixa.

Aguardem a segunda parte desta postagem.

Abraços a todos.