O assunto que estou expondo agora, não é tema de destaque na fisioterapia em terapia intensiva e também não está escrito nos livros ou artigos científicos, em virtude disso, julgo que ele seja um dos mais importantes, isto se não for o mais importante que publiquei. Pretendo expor aqui uma experiência muito valiosa que tive dentro de um hospital público muito carente de recursos materiais.
Este fato, como já mencionei, aconteceu num hospital público com poucos recursos em que eu trabalhava. Este hospital recebia muitos pacientes com infecções oportunistas em decorrência da inunodeficiência pelo HIV, a população atendida nele era de pessoas muito pobres da comunidade, moradores de rua e transferidas de outros hospitais públicos. Os principais focos infecciosos nos casos internados lá eram no SNC e no sistema respiratório. Alguns destes pacientes eram encaminhados para a UPG (unidade de pacientes graves) onde tínhamos respiradores, monitores cardíacos e oxímetros de pulso e outros, menos graves, eram encaminhados direto para a enfermaria, todos estes pacientes recebiam atendimentos fisioterapêuticos. Na enfermaria, os pacientes com infecções neurológicas recebiam fisioterapia após uma solicitação do médico mediante parecer, esta solicitação geralmente era feita após uma constatação de cura da infecção do SNC através dos exames clínicos e laboratoriais, no hospital não havia tomografia computadorizada ou ressonância magnética para complementação desta avaliação e de possíveis seqüelas neurológicas.
Quando a fisioterapia era solicitada e era eu quem ia responder o parecer, normalmente me deparava com um paciente internado há pelo menos 20 dias, acamado, muito emagrecido, desorientado, a cabeceira da maca baixa, alguns curativos nas regiões sacra e trocantéricas. Não era incomum as contenções nos MMSS e também nos MMII destes pacientes, em virtude de relato pela enfermagem de agitação excessiva no leito e retiradas dos acessos pelos mesmos. Estes pacientes tinham pelo menos três tipos de acessos: um cateter venoso periférico para infusão de medicamentos e líquidos, uma sonda vesical ou “jontex” para coleta de urina e uma sonda enteral para alimentação.
Ao ler o parecer, a informação descrita geralmente era de um paciente restrito ao leito desde a sua internação com seqüela neurológica em decorrência de uma infecção do SNC já tratada, apresentando um quadro de hipertonia e desorientação.
Primeiramente, eu me dirigia ao prontuário para me interar do caso, em seguida começava a avaliar o paciente tentando me comunicar com ele. É claro que na maioria das vezes estes pacientes estavam desorientados e agressivos e ao começar a soltá-los das contenções eles tentavam arrancar os acessos.
Não foram poucas as vezes que me questionei sobre como faria o atendimento, para começar eu elegia o alongamento e a cinesioterapia passiva, passiva porque apesar de não estarem inativos no leito eles não colaboravam, muitas vezes era uma “briga”.
Bem, eu achava que pelo pouco recurso material que dispunha, estas eram as únicas técnicas possíveis nas condições presentes, eu trabalhava em um membro enquanto os outros permaneciam contidos, esta era uma maneira deles não retirarem os acessos e eu não me "encrencar" com a enfermagem.
A evolução destes pacientes geralmente não era muito boa, muitos complicavam com pneumonias, infecções urinárias ou recidivavam da infecção do SNC e evoluíam para o óbito. Por um bom tempo eu pensava que esta era a evolução “normal” destes pacientes e alguns médicos, nem todos, me confirmavam esta impressão e até diziam: – isto é assim mesmo, mas de qualquer forma faz uma ginástica com eles. Então, eu realizava a minha fisioterapia padrão.
Dos pacientes que melhoravam e recebiam alta hospitalar muitos retornavam piores do que na internação anterior e então o seu destino seguia aquele mesmo padrão de “normalidade”. Isto me incomodava muito, mas eu pensava que se nem os médicos conseguiam modificar esta evolução, tampouco eu poderia fazer para mudá-la também.
Com o passar do tempo e continuando incomodado com isto, tentei modificar a maneira de “trabalhar” estes pacientes, passei a desafiar a enfermagem e retirava todas as contenções para posicioná-los bem sentados transversalmente no leito com as pernas pendentes. No começo era muito trabalhoso, alguns conseguiam arrancar os acessos, mas a maior dificuldade que encontrei neles era uma forte hipertonia extensora de tronco e cabeça e que irradiava para os MMII, eu tinha que fazer muita força para posicioná-los adequadamente e também tinha que colocar alguns travesseiros para mantê-los nesta posição.
Eu repetia esta conduta por alguns dias e para a minha surpresa muitos destes pacientes em torno do 4° ou 5º dias apresentavam uma boa melhora da hipertonia e passavam a controlar bem o tronco e a cabeça e relaxavam os MMII, a interação deles comigo também melhorava.
Com a evolução favorável, eu tentava colocá-los de pé, os poucos que conseguiam, logo no começo, apresentavam um forte desequilíbrio posterior e se eu não lhes segurassem com força eles cairiam direto para trás (este desequilíbrio melhorava muito rapidamente, após 1 ou 2 dias de trabalho). Porém, a maioria deles tinha uma importante fraqueza muscular que dificultava muito adotar este posicionamento. Alguns médicos e enfermeiros engajados com a minha causa conseguiram um andador e eu passei a colocá-los de pé apoiados neste suporte.
A partir daí tudo parecia mudar, a recuperação deles dava uma boa acelerada, tornavam-se cada vez mais orientados e colaborativos, a força muscular, o equilíbrio e a coordenação motora melhoravam bastante. Então eu comecei a me questionar se realmente estes pacientes apresentavam seqüelas neurológicas, porque não é nada comum uma recuperação surpreendente em tão poucos dias de atendimento quando existe uma lesão no SNC.
Na tentativa de entender o que poderia justificar este padrão, logo lembrei de um trabalho que fiz sobre “equilíbrio postural e postura” ainda na faculdade, reli este estudo e complementei com uma boa revisão num livro de fisiologia.
Pois é, fiquei muito surpreso com a grande influência que a restrição no leito pode provocar, principalmente nestes pacientes, em todas as estruturas relacionadas com o equilíbrio, coordenação, tônus muscular e até mesmo com o grau de percepção e orientação cognitiva com o meio ambiente. Aquela hipertonia extensora e o desequilíbrio posterior tanto sentado quanto de pé eram em virtude da reorganização postural durante a longa permanência deitado, começava aí uma possibilidade de modificação do diagnóstico de lesão do SNC e seqüela neurológica.
Outra coisa que me chamou muito a atenção, foi que através desta melhora, os acessos começavam a ser retirados, primeiro era a sonda enteral, porque estando orientados e colaborativos e com um bom controle da tronco e cabeça a alimentação era possível por via oral, a seguir era o acesso venoso que era retirado, porque toda a medicação passava também a ser administrada por via oral e por fim, com o domínio da deambulação, mesmo com a ajuda do andador, eles conseguiam se deslocar até o banheiro e realizavam as suas necessidades fisiológicas, então a sonda vesical não tinha mais necessidade. Com isso muitas complicações deixaram de acontecer como as pneumonias broncoaspirativas, as infecções no sítio do cateter venoso e as infecções urinárias.
Desta forma muitos pacientes passaram a receber alta hospitalar e para mim ficou uma grande lição que quero compartilhar com vocês...
A fisioterapia pode modificar a evolução destes pacientes basta retirá-los do leito que eles recuperam, o posicionamento sentado e de pé é muito mais valioso e rico em estímulos que qualquer terapia realizada no leito e isto se consegue com muito pouco, em média eu não levava mais que 30 minutos com cada paciente, enquanto eu terminava de posicionar um eu ia para o outro e com isso eu tratava simultaneamente 4 ou 5 pacientes, era só monitorá-los e retorná-los ao leito assim que cansavam.
A deambulação, no início, era realizada individualmente, mas também não levava mais que 20 min. A alta fisioterapêutica acontecia quando eles tinham completa independência locomotora.
Infelizmente, nem todos os pacientes tinham a mesma evolução, alguns levavam mais tempo para receberem alta da fisioterapia, outros realmente tinham seqüelas neurológicas que às vezes eram graves e não melhoravam como eu esperava e outros complicavam seriamente logo no início da doença e morriam. Mas também tinham aqueles que melhoravam espontaneamente sem que a fisioterapia fosse solicitada.
Por fim, eu gostaria que vocês, acadêmicos de fisioterapia e fisioterapeutas, refletissem sobre este relato e que passassem a pensar nas alternativas ou maneiras diferentes de realizarem a fisioterapia, focando sempre naquilo que o paciente realmente necessita em cada etapa que se encontra. Muitas vezes, a primeira vista, gostaríamos de ter aparelhos que julgamos importantes ou imprescindíveis e na falta deles normalmente desanimamos.
Devo lembrá-los que a maior ferramenta que dispomos está em nós, no nosso raciocínio e na nossa vontade e que só mudamos alguma situação que nos incomoda, quando, de fato, realizamos aquilo que entendemos que deve ser feito.
Aguardem outras publicações!
Abraços a todos.
Este fato, como já mencionei, aconteceu num hospital público com poucos recursos em que eu trabalhava. Este hospital recebia muitos pacientes com infecções oportunistas em decorrência da inunodeficiência pelo HIV, a população atendida nele era de pessoas muito pobres da comunidade, moradores de rua e transferidas de outros hospitais públicos. Os principais focos infecciosos nos casos internados lá eram no SNC e no sistema respiratório. Alguns destes pacientes eram encaminhados para a UPG (unidade de pacientes graves) onde tínhamos respiradores, monitores cardíacos e oxímetros de pulso e outros, menos graves, eram encaminhados direto para a enfermaria, todos estes pacientes recebiam atendimentos fisioterapêuticos. Na enfermaria, os pacientes com infecções neurológicas recebiam fisioterapia após uma solicitação do médico mediante parecer, esta solicitação geralmente era feita após uma constatação de cura da infecção do SNC através dos exames clínicos e laboratoriais, no hospital não havia tomografia computadorizada ou ressonância magnética para complementação desta avaliação e de possíveis seqüelas neurológicas.
Quando a fisioterapia era solicitada e era eu quem ia responder o parecer, normalmente me deparava com um paciente internado há pelo menos 20 dias, acamado, muito emagrecido, desorientado, a cabeceira da maca baixa, alguns curativos nas regiões sacra e trocantéricas. Não era incomum as contenções nos MMSS e também nos MMII destes pacientes, em virtude de relato pela enfermagem de agitação excessiva no leito e retiradas dos acessos pelos mesmos. Estes pacientes tinham pelo menos três tipos de acessos: um cateter venoso periférico para infusão de medicamentos e líquidos, uma sonda vesical ou “jontex” para coleta de urina e uma sonda enteral para alimentação.
Ao ler o parecer, a informação descrita geralmente era de um paciente restrito ao leito desde a sua internação com seqüela neurológica em decorrência de uma infecção do SNC já tratada, apresentando um quadro de hipertonia e desorientação.
Primeiramente, eu me dirigia ao prontuário para me interar do caso, em seguida começava a avaliar o paciente tentando me comunicar com ele. É claro que na maioria das vezes estes pacientes estavam desorientados e agressivos e ao começar a soltá-los das contenções eles tentavam arrancar os acessos.
Não foram poucas as vezes que me questionei sobre como faria o atendimento, para começar eu elegia o alongamento e a cinesioterapia passiva, passiva porque apesar de não estarem inativos no leito eles não colaboravam, muitas vezes era uma “briga”.
Bem, eu achava que pelo pouco recurso material que dispunha, estas eram as únicas técnicas possíveis nas condições presentes, eu trabalhava em um membro enquanto os outros permaneciam contidos, esta era uma maneira deles não retirarem os acessos e eu não me "encrencar" com a enfermagem.
A evolução destes pacientes geralmente não era muito boa, muitos complicavam com pneumonias, infecções urinárias ou recidivavam da infecção do SNC e evoluíam para o óbito. Por um bom tempo eu pensava que esta era a evolução “normal” destes pacientes e alguns médicos, nem todos, me confirmavam esta impressão e até diziam: – isto é assim mesmo, mas de qualquer forma faz uma ginástica com eles. Então, eu realizava a minha fisioterapia padrão.
Dos pacientes que melhoravam e recebiam alta hospitalar muitos retornavam piores do que na internação anterior e então o seu destino seguia aquele mesmo padrão de “normalidade”. Isto me incomodava muito, mas eu pensava que se nem os médicos conseguiam modificar esta evolução, tampouco eu poderia fazer para mudá-la também.
Com o passar do tempo e continuando incomodado com isto, tentei modificar a maneira de “trabalhar” estes pacientes, passei a desafiar a enfermagem e retirava todas as contenções para posicioná-los bem sentados transversalmente no leito com as pernas pendentes. No começo era muito trabalhoso, alguns conseguiam arrancar os acessos, mas a maior dificuldade que encontrei neles era uma forte hipertonia extensora de tronco e cabeça e que irradiava para os MMII, eu tinha que fazer muita força para posicioná-los adequadamente e também tinha que colocar alguns travesseiros para mantê-los nesta posição.
Eu repetia esta conduta por alguns dias e para a minha surpresa muitos destes pacientes em torno do 4° ou 5º dias apresentavam uma boa melhora da hipertonia e passavam a controlar bem o tronco e a cabeça e relaxavam os MMII, a interação deles comigo também melhorava.
Com a evolução favorável, eu tentava colocá-los de pé, os poucos que conseguiam, logo no começo, apresentavam um forte desequilíbrio posterior e se eu não lhes segurassem com força eles cairiam direto para trás (este desequilíbrio melhorava muito rapidamente, após 1 ou 2 dias de trabalho). Porém, a maioria deles tinha uma importante fraqueza muscular que dificultava muito adotar este posicionamento. Alguns médicos e enfermeiros engajados com a minha causa conseguiram um andador e eu passei a colocá-los de pé apoiados neste suporte.
A partir daí tudo parecia mudar, a recuperação deles dava uma boa acelerada, tornavam-se cada vez mais orientados e colaborativos, a força muscular, o equilíbrio e a coordenação motora melhoravam bastante. Então eu comecei a me questionar se realmente estes pacientes apresentavam seqüelas neurológicas, porque não é nada comum uma recuperação surpreendente em tão poucos dias de atendimento quando existe uma lesão no SNC.
Na tentativa de entender o que poderia justificar este padrão, logo lembrei de um trabalho que fiz sobre “equilíbrio postural e postura” ainda na faculdade, reli este estudo e complementei com uma boa revisão num livro de fisiologia.
Pois é, fiquei muito surpreso com a grande influência que a restrição no leito pode provocar, principalmente nestes pacientes, em todas as estruturas relacionadas com o equilíbrio, coordenação, tônus muscular e até mesmo com o grau de percepção e orientação cognitiva com o meio ambiente. Aquela hipertonia extensora e o desequilíbrio posterior tanto sentado quanto de pé eram em virtude da reorganização postural durante a longa permanência deitado, começava aí uma possibilidade de modificação do diagnóstico de lesão do SNC e seqüela neurológica.
Outra coisa que me chamou muito a atenção, foi que através desta melhora, os acessos começavam a ser retirados, primeiro era a sonda enteral, porque estando orientados e colaborativos e com um bom controle da tronco e cabeça a alimentação era possível por via oral, a seguir era o acesso venoso que era retirado, porque toda a medicação passava também a ser administrada por via oral e por fim, com o domínio da deambulação, mesmo com a ajuda do andador, eles conseguiam se deslocar até o banheiro e realizavam as suas necessidades fisiológicas, então a sonda vesical não tinha mais necessidade. Com isso muitas complicações deixaram de acontecer como as pneumonias broncoaspirativas, as infecções no sítio do cateter venoso e as infecções urinárias.
Desta forma muitos pacientes passaram a receber alta hospitalar e para mim ficou uma grande lição que quero compartilhar com vocês...
A fisioterapia pode modificar a evolução destes pacientes basta retirá-los do leito que eles recuperam, o posicionamento sentado e de pé é muito mais valioso e rico em estímulos que qualquer terapia realizada no leito e isto se consegue com muito pouco, em média eu não levava mais que 30 minutos com cada paciente, enquanto eu terminava de posicionar um eu ia para o outro e com isso eu tratava simultaneamente 4 ou 5 pacientes, era só monitorá-los e retorná-los ao leito assim que cansavam.
A deambulação, no início, era realizada individualmente, mas também não levava mais que 20 min. A alta fisioterapêutica acontecia quando eles tinham completa independência locomotora.
Infelizmente, nem todos os pacientes tinham a mesma evolução, alguns levavam mais tempo para receberem alta da fisioterapia, outros realmente tinham seqüelas neurológicas que às vezes eram graves e não melhoravam como eu esperava e outros complicavam seriamente logo no início da doença e morriam. Mas também tinham aqueles que melhoravam espontaneamente sem que a fisioterapia fosse solicitada.
Por fim, eu gostaria que vocês, acadêmicos de fisioterapia e fisioterapeutas, refletissem sobre este relato e que passassem a pensar nas alternativas ou maneiras diferentes de realizarem a fisioterapia, focando sempre naquilo que o paciente realmente necessita em cada etapa que se encontra. Muitas vezes, a primeira vista, gostaríamos de ter aparelhos que julgamos importantes ou imprescindíveis e na falta deles normalmente desanimamos.
Devo lembrá-los que a maior ferramenta que dispomos está em nós, no nosso raciocínio e na nossa vontade e que só mudamos alguma situação que nos incomoda, quando, de fato, realizamos aquilo que entendemos que deve ser feito.
Aguardem outras publicações!
Abraços a todos.